A redação do Enem e o Fantástico

No último domingo, dia 04 de maio, o programa Fantástico, da rede Globo, exibiu uma reportagem acerca da correção da redação do Enem. Dez jornalistas prestaram a última edição do exame com a tarefa de, na prova de produção textual, zerarem por impropérios e deboches, por escreverem menos de sete linhas, por enviarem mensagens aos corretores, por ferirem a norma do uso formal da língua, por cometerem incoerência externa e por copiarem trechos dos textos motivadores e/ou de questões.
A jornalista que comandou a matéria convidou professores de cursos de Letras de quatro estados para corrigirem e discutirem esses dez textos a fim de comparar as notas dadas por eles e pela banca corretora do Enem, o que é um certo “milagre”, pois quando trata-se de educação, língua e linguagem, quem menos a grande mídia ouve são professores de ensino básico e do ensino universitário, alunos de pós-graduação em Linguística e/ou em Linguística Aplicada e linguistas e linguísticas aplicados, isto é, pessoas especializadas nessas áreas. Infelizmente e normalmente vemos, ouvimos e lemos economistas e os próprios jornalistas (alguns, com todos respeito aos que possuem uma postura mais crítica em relação a isso) abordarem questões de ensino de língua e educação linguística quando eles não são especialistas no assunto.
Voltando à reportagem, destas dez redações, quatro foram anuladas pelos professores consultados e pela banca corretora do Enem: uma continha o hino de um time de futebol, a segunda teve um parágrafo escrito por meio da “língua do P”, a terceira por conter um recado em tom de deboche ao corretor e a quarta por trazer vários trechos de músicas que falam sobre bebidas alcoólicas, já que o tema da redação do Enem 2013 foi os efeitos da implementação da Lei Seca no Brasil. Todas estas redações possuíam impropérios propositais claros que fogem à proposta de redação do Enem 2013 e, por isso, foram anuladas.
Porém, houve divergência entre as notas dadas pela banca corretora do Enem e as dos professores consultados nas demais seis redações e, é importante ressaltar, também houve discrepância de opiniões entre os próprios docentes chamados pela jornalista.
Por exemplo, um texto que continha o seguinte pedido ao Papai Noel: “Por isso, Papai Noel, peço ao senhor que ilumine a cabeça dos magistrados brasileiros no próximo Natal!”. Um professor considerou este trecho uma infantilidade e como, segundo a sua avaliação, o restante estava bom, ele avaliou este texto com 620 pontos; já um outro docente deu, apenas, 210 pontos para a mesma redação e todos concluíram que “as instruções dadas aos avaliadores são altamente subjetivas e fragmentadas”.
Em relação a esta questão, primeiramente, temos de ter em mente que o que os responsáveis pelo Enem dispõem ao público são as cinco competências avaliadas e os níveis de notas dados a cada uma delas; no treinamento dados aos candidatos a corretores, segundo fontes seguras, estes aspectos são esmiuçados e, assim, o público em geral não tem acesso à grade de correção completa. Portanto, dizer que as instruções dadas aos corretores são subjetivas é superficial.
Obviamente que, em uma correção, há um caráter subjetivo, pois os corretores são seres humanos e precisam, em certos momentos e em certas redações limites, tomar decisões acerca de faixas de notas (afirmar se um texto é péssimo ou ruim, razoável ou bom ou muito bom), de aceitar ou não alguma coisa, de classificar alguma coisa etc. e para tomar essas decisões os corretores devem estar seguros em relação a grade de correção e afinados com ela e entre eles. Por este motivo que uma correção na qual todos os envolvidos (corretores, coordenadores e presidente de banca corretora e banca elaboradora) estão reunidos em um mesmo lugar é o cenário ideal de correção, pois assim os corretores são avisados pelos coordenadores sobre o que eles não podem deixar passar, sobre o que a banca está considerando errado e certo, a tendência da maioria das redações, quantidade de terceiras correções, casos atípicos, dentre outras questões.
Foto: Reprodução Reportagem / site G1
Como o Enem possui uma dimensão continental, dado o tamanho do Brasil, cada corretor trabalha isolado na correção efetiva, mas talvez os responsáveis tenham de pensar em uma outra estrutura, com grupos de corretores reunidos nas capitais estaduais, por exemplo e em outras cidades do interior, mas isso daria muito mais trabalho, principalmente em termos de logística de provas e de pessoas, e demandaria muito mais gastos. Mesmo que a organização continue do modo como está, algo deve ser feito para afinar melhor a banca corretora, pois metade das redações ir para a terceira correção, como falamos em abril, não é sinônimo de qualidade e demonstra um descompasso entre corretores, grade de correção e banca elaboradora.
Outro aspecto enfatizado pela reportagem foi a quantidade de textos corrigida por cada corretor. Uma professora que corrigiu as redações do Enem foi entrevistada, sem identificação por questões de sigilo, e esta afirmou que a impressão que teve de todo o treinamento foi “boa” e logo a matéria frisou a crítica da corretora sobre o número de redações que recebia por dia – 150 – , pois para ela era uma demanda muito grande da qual ela não dava conta. Vemos aí a intenção dos jornalistas em explorarem, apenas, as críticas e não também os fatores positivos.
Em bancas de correção de vestibulares tradicionais brasileiros, tanto com as redações quanto com as questões dissertativas, cada corretor possui uma quantidade mínima diária que deve ser, obrigatoriamente, corrigida para que o processo caminhe tranquilamente e dentro do prazo estabelecido. Obviamente que cada corretor tem seu tempo e cada um corrige de acordo com as suas habilidades: uns levem mais tempo, outros menos; uns corrigem a cota mínima numa manhã e vão embora, outros levam o dia todo para corrigir a mesma quantidade. Portanto, esta corretora sentia-se bem corrigindo 50 redações, mas certamente há aqueles que corrigem de uma maneira tranquila mais de 100 textos; isso é subjetivo, pois, de novo, corretores são seres humanos.
A questão do pagamento depender diretamente da quantidade de provas corrigidas pelo corretor pode atrapalhar, com toda certeza, pois na ânsia de ganhar mais, os corretores podem corrigir mesmo cansados, com sono e sem atenção (dadas as circunstâncias de vida e de trabalho da maioria dos professores brasileiros, isso não é de se espantar), o que numa banca convencional não acontece, já que o sistema de pagamento é fechado; o corretor só não pode ficar aquém da cota mínima.
Outra redação que causou divergência entre os professores consultados pela reportagem foi uma que continha incoerência externa, já que dizia que a Lei Seca foi implementada pelo AI-5 e que o presidente Getúlio Vargas morreu em um acidente de carro após ingerir vinho. Sabemos que a Lei Seca foi instituída recentemente e que Getúlio suicidou-se. Dois dos professores deram nota zero, outros dois deram notas entre 280 e 300 pontos por ficarem em dúvida se tratava-se de deboche ou, realmente, de desconhecimento (o que não é impossível) – e aí entra, novamente, a tomada de decisão por parte de corretor que, numa banca tradicional, teria a possibilidade de perguntar ao coordenador o que a banca acharia daquilo e como proceder – e um último professor considerou estas afirmações apenas uma espécie de paródia e, por isso, emitiu uma nota alta.
Paródias fogem ao tipo textual requerido no Enem – dissertação-argumentativa – e sátiras e ironias até podem estar presentes, desde que não desconfigurem o texto, mas está clara a incoerência externa e, seja por deboche ou ignorância, deve ser avaliada negativamente.
A ênfase dada pela jornalista, na reportagem como um todo, foi sobre três redações que continham cópias dos textos motivadores e de questões do Enem; os professores consultados zeraram todas e a banca corretora do Enem deu notas de 260, 380 e 440 pontos, todas abaixo da média, isto é, redações péssimas ou ruins.
Segundo a fala do presidente do INEP, Francisco Soares, a correção não falhou, pois deu a estes textos notas adequadas e que estes, por sua vez, não representam o universo dos candidatos do Enem. A repórter insistiu e disse que, tirando as cópias, sobraram menos de sete linhas autorais e Soares também insistiu que, assim mesmo, são linhas autorais.
Autoria, segundo o professor de linguística da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Sírio Possenti, é ser autor e isto, por sua vez, acontece quando (sabendo ou não) damos vozes a outros enunciadores e mantemos distância do nosso próprio texto. Como nenhum discurso é isento de ideologia, já que toda palavra carrega ideologia(s) consigo, inferimos que dentro de todo texto há elementos não originais, isto é, que não são exclusivos do autor. Assim, dentro de um texto há outros textos, já que existem enunciados anteriores. Tudo o que escrevemos e falamos está entrelaçados de discursos anteriores que ouvimos e lemos e, ser autor, é, justamente, dar vozes a esses outros enunciadores e o modo como fazemos isso deve ser avaliado discursivamente, o que significa passar pela questão da subjetividade e de sua inserção histórica e ter o mínimo de densidade.
Neste exato ponto, para embasar meu argumento, recorri a dois autores renomados: Possenti e Bakhtin. Usei suas falas, seus enunciados para fortalecer minha argumentação e candidatos ao Enem fazem o mesmo, mesmo que de outra maneira.
Concluímos, sobre este aspecto, que o termo “autoria” não foi bem empegado nem pelo presidente do INEP nem pela jornalista, já que ele não foi contextualizado teoricamente.

É óbvio que o Enem, assim como os demais vestibulares, tem pontos negativos que devem ser melhorados, como já dissemos em publicações anteriores e nesta, mas ele também possui pontos positivos, já que abriu e abre portas para milhares de brasileiros.

A impressão que se tem é que a mídia não faria uma reportagem dessa se não objetivasse encontrar falhas (e do modo como a audiência deste programa, especificamente, vai mal, não é de se espantar que façam coisas desse tipo) propositalmente. Interessante que, em relação à metade das redações ir para a terceira correção, nada foi falado; sinal de que entendem bem de correção de redação… só que não.
Os pontos discutidos merecem, realmente, discussão, mas uma discussão mais profunda e especializada e que não fique só no achismo da grande mídia e que não seja cortada pela edição. Talvez, entre os professores consultados, houve um debate interessante e situado, mas isso não apareceu; possivelmente eles discutiram mais e melhor, mas a edição cortou essa parte, o que nos deixou com essa impressão.
Eu fico chocada com algumas revelações a respeito dessa redação do Enem , parece que NUNCA será justa . Enquanto muitos se esforçam tanto para se aproximar da nota máxima , uns seguem o caminho contrário e para a surpresa de todos se sobressai , mas não por que mostrou ou apresentou bons argumentos e uma melhor estrutura para a redação e o seu tema , mas sim porque o professor que o corrigiu estava totalmente desatento ao ler , ou simplesmente não leu . É inaceitável uma coisa dessa , estou cada vez mais focada na ideia que o exame do Enem é uma fraude !

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