Resenha | O Ceifador(Trilogia Scythe - Vol.1), de Neal Shusterman


A humanidade venceu todas as barreiras: fome, doenças, guerras, miséria… Até mesmo a morte. Agora os ceifadores são os únicos que podem pôr fim a uma vida, impedindo que o crescimento populacional vá além do limite e a Terra deixe de comportar a população por toda a eternidade.

Citra e Rowan são adolescentes escolhidos como aprendizes de ceifador — um papel que nenhum dos dois quer desempenhar. Para receberem o anel e o manto da Ceifa, os adolescentes precisam dominar a “arte” da coleta, ou seja, precisam aprender a matar. Porém, se falharem em sua missão — ou se a cumplicidade no treinamento se tornar algo mais —, podem colocar a própria vida em risco.

Lançamento: 17/04/2017 - Número de Páginas: 448 - Gênero: Fantasia/Utopia - Skoob

 


Ambientado em uma utopia, a humanidade conseguiu alcançar à perfeição através de uma inteligência artificial, a denominada Nimbo-Cúmulo. Sem ter mais o que temer, nem mesmo a morte, a humanidade passa a ter uma única preocupação: o crescimento populacional.

O Ceifador possui narração onisciente em terceira pessoa e como característica das obras de Neal Shusterman é dividido por partes, cinco partes. Ao início de cada um dos capítulos - que são curtos - há revelações sobre os registros pessoais feitos por alguns dos personagens que compõem o núcleo central, desta forma conhecemos ao longo da narração as ideologias desses personagens. Todos os textos iniciam de forma harmoniosa cada capítulo, e nos passam mensagens reflexivas sobre esse universo.

"Devemos por lei, manter um registo de todos os inocentes que matamos. (...) E, ao meu ver, todos são inocentes. Mesmo os culpados. (...) Somos instruídos a anotar não apenas nossos atos, mas também nossos sentimentos. Remorsos. Arrependimentos. Sofrimentos grandes demais para suportarmos. Porque, se não sentíssemos nada, que espécie de monstros seríamos?" (Shusterman, NEAL)

A humanidade conseguiu vencer todas as barreiras: a fome, doenças, guerras, miséria... Até mesmo a morte. Mas o desenvolvimento do mundo está ligado diretamente à taxa de crescimento populacional. Em um mundo onde não mais se teme à falta dos recursos naturais que garantem nossa sobrevivência, até porque à vida humana se tornou eterna, o limite em que a Terra comporta a humanidade se tornou a única ameaça. Por meio de resolver esse problema foi criado uma organização denominada Ceifa. Formada por centenas de ceifadores, eles são os únicos a pôs fim à vida. Mas, apesar do mundo estar sob domínio de Nimbo-Cúmulo - uma inteligência artificial - a Ceifa é independente e possui suas próprias leis. Mas, afinal, o que são os Ceifadores?

Os ceifadores nada mais é que uma personificação da morte, uma cresça, mas até mesmo na Bíblia se cita essa figura enigmática. Neste contexto eles são humanos, porém, não é qualquer pessoa que se pode ser um ceifador. Em regra geral, um ceifador deve odiar o que faz.

"O poder de vida e da morte não pode ser concedida de maneira leviana, mas com uma cautela estoica e ponderada.(...) O ofício de ceifador é a mais alta vocação da humanidade, e realizar essa convocação deve marcar até o fundo da alma, para que nenhum ceifador jamais se esqueça do preço do anel que eles usam." (Shusterman, NEAL)

Nesse cenário utópico acompanhamos a trajetória de Citra e Rowan, dois jovens de dezesseis anos. Tão diferentes e ao mesmo tempo tão parecidos os dois veem seus caminhos se cruzarem após conhecerem o honorável Ceifador Faraday.

Citra Terranova é a filha mais velha de uma família pequena. Educada por pais amorosos, cresceu satisfeita com a vida que possui. Corajosa, nunca temeu dizer o que pensa e seu temperamento duvidoso a fez uma garota de personalidade admirável. Sem muitas perspectivas para o futuro, sempre desejou que fosse algo mais que o comum. Mas ela nunca poderia ter imaginado se tornar um ceifador. Esse é um fardo que nunca desejou. Enquanto que Rowan Damisch cresceu em uma família grande. Com um padrasto que o ignora e uma mãe com preocupações demais para dar atenção aos seus problemas, é um garoto muito solitário. Mas mesmo não possuindo uma vida perfeita, há qualidades admiráveis. É destemido, atrevido, inteligente e muito solidário. Sem muitas perspectivas para o futuro para ele a ideia de ser um ceifador o repugna, mas como sempre soube como viver isolado e afastado do resto do mundo, imagina que não seja uma vida tão difícil.

Nenhum dos dois esperavam um dia se tornar aprendizes de um ceifador. Mas quando o ceifador Faraday os surpreende com um convite, eles não sabem como negar, apesar de odiarem à ideia de 'coletar' pessoas. Ser um aprendiz de um ceifador é uma missão rara, e somente um deles terá a honra de receber o anel e o manto que os designa ceifador sob a lei da Ceifa.

Citra e Rowan iniciam então um treinamento que querer responsabilidades e muitas habilidades, entre elas as diversas formas de matar pessoas. No processo eles aprendem como funciona a Ceifa e seu complexo gerenciamento, além da própria organização que sustenta a função que os ceifadores exercem na humanidade que é coletar pessoas sem se permitirem se corromperem no processo, ou seja, ter prazer em matar, e essa é uma tarefa falha em um sistema que é em tese é para ser perfeito. Em meio a tantas informações e observações os jovens aprendizes começam a refletir sobre o futuro que os aguardam, porque embora tenham chegado ao conceito da perfeição para humanidade esse sistema possui falhas, há brechas para o retorno da corrupção, desigualdade e uma série de outros problemas em que antes a população sofria na Era da Mortalidade - o chamado período em que hoje nós vivemos.

"Somos sábios, mas não perfeitos; sagazes, mas não oniscientes. (...) A natureza humana é ao mesmo tempo previsível e misteriosa; propensa a avanços grandiosos e inesperados, mas ainda assim mergulhada em egoísmo." (Shusterman, NEAL)


A escrita de Neal Shusterman é extremamente cativante, os seus personagens em geral me fizeram refletir sobre a moral, ética, e a forma como os seres humanos se portam em sociedade. As mensagens explícitas na obra são validas, no Brasil possuímos muitos exemplos. Infelizmente não é algo pelo qual podemos nos orgulhar. Mas, um ponto muito interessante abordado é sobre o propósito de se viver em um mundo onde tudo é perfeito, e será mesmo que todos estão felizes? É difícil imaginar uma humanidade que se sinta satisfeita com um sistema que mata pessoas para que assim seja mantida uma ordem, ordem está que é organizada por um grupo de pessoas, no caso, os ceifadores, que são humanos e falhos por natureza. Qual o critério para essa seleção, todos são justos e imparciais em suas missões? É um questionamento no qual se tem muito o que refletir.

A Nimbo-Cumulo se mostra perfeita, ela é incorruptível, mas não tem poder sobre a Ceifa, e é onde se inicia um processo de rompimento desse sistema, e por dois jovens inexperientes que sequer tinham grandes perspectivas para o futuro.

"O que mais desejo para a humanidade não é a paz, o consolo ou a alegria. É que ainda morramos um pouco por dentro toda vez que testemunhemos a morte de outra pessoa. Pois só a dor da empatia nos manterá humanos. Nenhum Deus vai poder nos ajudar se algum dia perdermos isso." (Shusterman, NEAL)

Ambientado no ano de 2042, O Ceifador é uma obra que nos deixa sem fôlego, durante a leitura me vi apaixonada por esse universo, suas reflexões sobre o futuro da humanidade, e principalmente sobre a moral e a corrupção do ser humano, algo que é tão perceptível em nossa realidade. É uma obra belíssima! O segundo volume, titulado A Nuvem, promete reviravoltas no enredo e uma interferência direta da Nimbo-Cumulo. Será que a nuvem irá quebrar suas regras e intervir, ou apenas verá seu mundo perfeito desmoronar?


Neal Shusterman é autor de vários romances premiados, roteiros para filmes e para animações de TV. Nascido e criado no Brooklyn, em Nova York, atualmente mora no sul da Califórnia. Em 2017, O ceifador foi escolhido livro de honra do Michael L. Printz Award, o principal prêmio de literatura jovem adulta dos Estados Unidos.

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